Dia Internacional da Mulher

8 de Março – Dia Internacional da Mulher


Neste Dia Internacional da Mulher, divulgamos a biografia de Leocádia Prestes, elaborada por
sua filha Lygia, que traz a trajetória da corajosa mãe de Luiz Carlos Prestes que, nas palavras
de Pablo Neruda, fez “grande, más grande, a nuestra América” e é expressão da determinação
e combatividade da mulher brasileira. Depois do levante antifascista de novembro de 1935 e da
prisão de Prestes em 1936, Leocádia esteve à frente de uma campanha internacional pela
defesa da vida e pela libertação de seu filho e de todos os presos políticos no Brasil. Ela
“percorreu os principais países europeus, denunciando o terror desencadeado no Brasil, o
perigo de morte para os presos políticos e pedindo solidariedade e apoio para a sua luta”, que
se inseria no fortalecimento do movimento antifascista internacional. Com a extradição de Olga
Benário para a Alemanha, uma nova campanha se colocou para salvar a vida de Olga e de sua
filha que estava para nascer. Como assinala Lygia, Leocádia foi três vezes à Alemanha
nazista, enfrentar a Gestapo para exigir a libertação de Olga e de sua filha Anita, resgatada em
janeiro de 1938. (*)

* * *

Leocádia Prestes – mãe coragem Lygia Prestes
Leocádia Felizardo Prestes nasceu no dia 11 de maio de 1874, em Porto Alegre,
Estado do Rio Grande do Sul.


Seu pai, Joaquim José Felizardo, abastado comerciante, foi um homem culto, de
idéias liberais, partidário da Abolição e da República. Sua mãe, Ermelinda Ferreira
de Almeida, descendia da aristocracia portuguesa. Contudo, era pessoa de idéias
abertas e partilhava plenamente os ideais de justiça social de seu marido.

Dotada de caráter enérgico e independente, Leocádia Prestes destacou-se, desde
cedo, das jovens da sua classe social. Educada segundo os moldes tradicionais da
época, falava vários idiomas, era exímia pianista, estudou pintura, canto,
declamação. No entanto, tais predicados, que lhe permitiam brilhar nos salões, não
lhe bastavam. Ela gostaria de desenvolver alguma atividade útil e, ainda
adolescente, manifestou o desejo de ser professora pública, o que evidentemente
não pôde ser concretizado devido aos preconceitos sociais. A política e os
problemas sociais a interessavam muito, pelo que era leitora apaixonada dos
jornais da Corte, fato inusitado entre as moças de seu tempo.

Em 1896, casou-se com o capitão Antônio Pereira Prestes, engenheiro militar, que
havia sido aluno de Benjamim Constant, na Escola Militar da Praia Vermelha, e
participara, ainda cadete, da proclamação da República, no Campo de Santana. Era
um homem de vasta cultura, partidário do Positivismo, que era a corrente filosófica
mais progressista no Brasil, no fim do século XIX.

O convívio com o marido muito contribuiu para que Leocádia Prestes ampliasse sua
cultura geral e aprofundasse ainda mais o seu interesse pela política e pelas
questões sociais. Anos mais tarde, ela contaria aos filhos a ansiedade com que ela e
o marido viveram episódios como a Guerra de Canudos ou o célebre Caso Dreyfus,
na França, que comoveu todos os setores progressistas, na passagem do século.

A morte prematura do marido deixou-a em situação muito precária. A exígua
pensão não era suficiente para o sustento dos filhos. O caminho mais fácil teria sido
arrimar-se a algum parente rico. Ela preferiu, porém, conservar a sua
independência e partira para a luta.

Começou a dar aulas de idiomas e de música, trabalhou de modista, foi balconista e
até costuras fez para o Arsenal de Marinha. Finalmente, em 1915, conseguiu ser
nomeada professora da Escola Pública, como coadjuvante do ensino primário, cargo
que exerceu até 1930. Trabalhava à noite, nos cursos noturnos destinados a
comerciários, operários e domésticas.

Era um trabalho muito pesado, pois tais cursos funcionavam em escolas dos
subúrbios do Rio, longe da condução, freqüentemente no alto dos morros. Pela
primeira vez em sua vida, ela pôde ter um maior contato com as camadas mais
pobres da sociedade e isso aguçou ainda mais a sua revolta contra as injustiças
sociais. Em pouco tempo, tornou-se muito estimada pelas alunas, pois era uma das
poucas professoras, naquele tempo, que não admitiam discriminações, tratando da
mesma forma a comerciária bem arrumada e a cozinheira de roupa surrada ou a
operária de tamancos. Com sua atitude, ela procurava transmitir a seus alunos,
além dos conhecimentos elementares, noções de justiça social, de igualdade e
dignidade humana.

Aliás, ao educar os filhos, sua grande preocupação foi sempre a de incutir-lhes o
amor ao trabalho e o sentimento do dever cívico. Procurou sempre mostrar-lhes os
aspectos negativos da vida, ensinando-lhes a enfrentar com altivez a violência e as
arbitrariedades dos poderosos e a jamais curvar-se ante as injustiças. Dotada de
grande sensibilidade artística, procurou sempre transmitir aos filhos o seu amor à
natureza e a sua admiração por tudo que é belo e elevado. Uma sonata de
Beethoven ou um belo poema, um pôr do sol ou o desabrochar de uma flor, a
emocionavam igual-mente.

A árdua luta pela sobrevivência não fez diminuir seu interesse pelo que ocorria na
sociedade e no mundo. Mesmo nos momentos mais difíceis, em sua casa podia
faltar pão, mas nunca faltou pelo menos um jornal diário, para acompanhar os
acontecimentos políticos, que discutia e comentava com os filhos. Assim, em 1910,
empolgou-se com a Campanha Civilista de Rui Barbosa e fazia questão de
comparecer aos comícios, levando consigo o filho mais velho, Luiz Carlos, que
contava apenas doze anos de idade, para que ouvisse a pregação cívica do mestre
baiano.

Por isso mesmo, em 1922, quando seu filho Luiz Carlos, já oficial do Exército,
começa a participar da política, atuando na preparação (do primeiro Cinco de
Julho), ela lhe deu todo o apoio, incentivando-o inclusive a continuar a luta, após a
derrota do movimento.

Em 29 de outubro de 1924, ocorreu o levante de Santo Ângelo, liderado por Luiz
Carlos Prestes, dando início à grande marcha através do Brasil que duraria até
fevereiro de 1927. Foram anos muito duros para as famílias dos participantes da
Coluna. As únicas notícias que recebiam eram as fornecidas pelo governo, sempre
as piores possíveis: a Coluna teria sido dizimada, seus chefes exterminados... Mais
de uma vez os jornais do Rio abriram manchetes escandalosas anunciando a morte
de Prestes e de seus companheiros.

Leocádia Prestes, mesmo sabendo que a vida do filho corria permanente perigo,
nunca perdeu a coragem e a confiança no filho. Jamais alguém a viu chorar. Para
que não houvesse dúvidas sobre o seu apoio integral às idéias do filho, ela trazia
sempre ao peito, bem visível, um grande medalhão com o retrato dele. Sua firmeza
impressionava a todos que a conheciam. Em pouco tempo, sua casa tornou-se a

Meca das famílias dos outros revolucionários, que a procuravam em busca de
alento e consolo.
Com a suspensão da censura à imprensa, em 1927, os feitos heróicos da Coluna
tornaram-se conhecidos do povo brasileiro, comovendo o país. Luiz Carlos Prestes
passou a ser considerado herói nacional – o Cavaleiro da Esperança – e Leocádia
Prestes era a Mãe de todos os brasileiros. Sua modesta casa de subúrbio fervilhava
de amigos, admiradores e políticos de todos os matizes.

Em 1930, um grupo de políticos, encabeçado por Getúlio Vargas, aproveitando o
prestígio de Luiz Carlos Prestes e do movimento Tenentista, organizou um golpe de
Estado. Os tenentes, antigos participantes da Coluna, deixaram-se iludir e aderiram
em massa ao Movimento de 30. Luiz Carlos Prestes, convidado, recusou-se a
participar, por considerar que o Movimento não traria nenhum benefício ao povo
brasileiro. Em maio de 1930, lançou um manifesto, denunciando o golpe que se
preparava e pregando uma revolução verdadeiramente popular, agrária e
antiimperialista. O manifesto, qualificado de comunista, caiu no Brasil como uma
bomba. Como num passe de mágica, todos os admiradores e políticos
abandonaram a casa de Leocádia Prestes. Em público, viravam-lhe as costas. Ela
reagia com altivez, reiterando a sua solidariedade ao filho querido.

Meses mais tarde, convencida de que o filho não poderia retornar ao Brasil tão
cedo, ela, mais uma vez, demonstrou toda sua coragem: licenciou-se do emprego,
liquidou a casa e, acompanhada das quatro filhas, partiu para a Argentina, para
ficar ao lado do filho. Iniciava-se, então, um longo exílio do qual ela não retornaria
à pátria.

Em Buenos Aires, onde se radicaram, a vida foi extremamente difícil. Com a crise
dos anos 30, era impossível conseguir trabalho. Poucos dias após a chegada da
família, Prestes foi preso, ameaçado pela polícia argentina, sendo obrigado a asilarse
em Montevidéu. Com isso, perdeu o emprego. Leocádia Prestes permaneceu em
Buenos Aires, com as filhas, lutando como podiam para sobreviverem. Foi nesse
período que elas e as filhas se aproximam do marxismo.

Em 1931, Luiz Carlos Prestes foi convidado pelo governo soviético para trabalhar
como engenheiro no Primeiro Plano Qüinqüenal. Sua família, mais uma vez, não
vacilou em acompanhá-lo, decidindo seguir com ele para a União Soviética. Às
pessoas que se surpreenderiam com a sua decisão, Leocádia Prestes dizia: “se meu
filho seguiu este caminho, este é o caminho certo”.

Contudo, seu primeiro contato com a sociedade socialista não foi fácil. Arrasada por
duas guerras, a União Soviética atravessava enormes dificuldades. Faltava tudo.
Para uma senhora de quase sessenta anos, de origem aristocrática e que havia
passado toda a sua vida sob outro regime, a realidade soviética suscitava muitas
dúvidas. Seu espírito de justiça, porém, ajudou-a a superar as incompreensões.
Pouco a pouco, ela foi compreendendo a causa das dificuldades e a grandeza da
luta e dos sacrifícios do povo soviético. O entusiasmo do povo a contagiava. Muito
contribuiu também para a sua formação política o processo de Leipzig, em 1934,
contra o revolucionário búlgaro George Dimitrov, cuja firmeza revolucionária
perante o tribunal nazista a impressionou profundamente. Aos sessenta anos de
idade, ela aderia, conscientemente, às idéias marxistas.

Em agosto de 1934, Luiz Carlos Prestes foi finalmente aceito no Partido Comunista,
terminando assim sua longa e penosa trajetória do tenentismo ao marxismo. E, a
29 de dezembro do mesmo ano, partia para o Brasil, para a luta clandestina.
Iniciou-se, então, para Leocádia Prestes, um longo período de grande sofrimento.
Se, por um lado, apoiava integralmente o caminho seguido pelo filho, por outro
lado, só a idéia de perdê-lo a fazia sofrer intensamente. Ela não duvidava de que,
se o filho fosse preso, seria morto. Contudo, procurava manter-se firme. Foi nessa
época que, buscando uma forma de participar da luta, resolveu aprender
datilografia a fim de ajudar na cópia e tradução de documentos.

Em 5 de março de 1936, Luiz Carlos Prestes foi preso no Rio de Janeiro, junto com
sua companheira Olga Benário. Graças à coragem de Olga, que o protegeu com seu
corpo, não conseguiram matá-lo no ato da prisão. Mas a sua vida corria perigo
iminente. A qualquer momento, poderiam “suicidá-lo” na prisão, como era costume
na época. Foi decidido, então, levantar uma campanha internacional em defesa da
vida de Prestes e de todos os presos no Brasil. E Leocádia Prestes foi escolhida para
encabeçar essa campanha.

Aquela foi a sua primeira missão política. Tarefa difícil para uma senhora de
sessenta e dois anos que havia sido, até então, apenas mãe de família e, quando
muito, professora de subúrbio. Contudo, ela não desanimou. Acompanhada de sua
filha Lygia, partiu de Moscou, em fins de março de 1936, dando início à campanha.

Foram vários anos de árduo trabalho. Eram comícios, conferências de imprensa,
visitas a jornais e sindicatos, a partidos políticos, parlamentos ou a chefes de
governos. Viagens freqüentes e demoradas. Era um trabalho extenuante para uma
pessoa de sua idade.
Com sua filha, ela percorreu os principais países europeus, denunciando o terror
desencadeado no Brasil, o perigo de morte para os presos políticos e pedindo
solidariedade e apoio para a sua luta. Em pouco tempo, a campanha se estendeu
aos outros continentes. Comitês de defesa de Prestes foram criados nos Estados
Unidos, na América Latina, na Austrália e na Nova Zelândia. Do mundo inteiro, o
governo brasileiro era bombardeado com milhares de cartas, telegramas de
protesto, manifestos de toda a sorte, exigindo a libertação de Prestes e de seus
companheiros ou, pelo menos, o respeito às suas vidas.

Em fins de 1936, com a extradição de Olga Benário para a Alemanha nazista, a
campanha se duplica. Surge uma campanha paralela, destinada a salvar a vida de
Olga e do bebê que estava para nascer. Leocádia Prestes e sua filha vão a Genebra
pedir a ajuda da Sociedade das Nações e da Cruz Vermelha Internacional. Graças
às gestões, foi possível receber, já em 1937, algumas notícias de Olga e de sua
filhinha, Anita Leocádia, nascida em 27 de novembro de 1936.

Três vezes Leocádia Prestes foi com sua filha à Alemanha, enfrentar a Gestapo e
exigir a libertação de Olga e da criança.
Delegações de vários países foram também a Berlim, com o mesmo objetivo.
Malgrado todos os esforços, não foi possível salvar Olga. O mais que se obteve foi a
libertação da pequena Anita Leocádia, em janeiro de 1938, e a vaga promessa da
Gestapo de que Olga seria libertada um pouco mais adiante. Ao contrário disso,
Olga foi enviada a um campo de concentração, em Ravensbrück, e assassinada em
abril de 1942.

Ante a iminência da guerra, Leocádia Prestes vê-se forçada a deixar a Europa. Com
a filha e a neta, parte para o México, cujo presidente, General Lázaro Cárdenas,
concedera-lhes asilo. Foi um golpe muito duro, pois ela bem compreendia que a
mudança para o México tornaria muito mais difícil qualquer ajuda à nora querida.

No México, a campanha prosseguiu, já então limitada às Américas, pois o resto do
mundo estava convulsionado pela guerra. Com a guerra, Leocádia Prestes perde o
contato com Olga e também com as outras filhas que haviam ficado em Moscou.

Além da sorte do filho, na prisão, preocupa-a agora também a situação dos seus
outros entes queridos, ameaçados pelas bombas nazistas. Contudo, a coragem e a
fé na vitória final não a abandonaram jamais. Quando as hordas nazistas
avançavam pela União Soviética, ela costumava dizer aos amigos assustados:

“Vocês não conhecem aquele povo! Quem passou tantas privações e sofrimentos
para construir o socialismo em seu país, não vai fraquejar agora. Eles são
invencíveis!”

Leocádia Prestes não teve a alegria de assistir à vitória final dos povos sobre o
nazismo nem a libertação dos presos políticos, no Brasil, em 1945. Após longa e
penosa enfermidade, ela veio a falecer no México, no dia 14 de junho de 1943.
Sua morte comoveu o povo mexicano, que a admirava muito. Ao velório, no salão
nobre do Sindicato dos Empregados em Hotéis, no centro da cidade do México,
compareceram milhares de pessoas, inclusive numerosos estrangeiros, fugidos do
nazismo e também asilados no México. Todos os ministros de Estado estiveram
presentes, com seus auxiliares , a começar pelo general Cárdenas, na época
Ministro da Defesa, no Governo de Ávila Camacho. O general Cárdenas tomou a
iniciativa de dirigir-se pessoalmente a Getúlio Vargas, pedindo-lhe que permitisse a

Prestes vir ao México despedir-se de sua mãe. Propunha enviar um avião militar
mexicano para trazer o prisioneiro e oferecia-se, inclusive, como refém, como
garantia de que Prestes voltaria à prisão. Getúlio sequer respondeu. Quatro dias e
quatro noites o povo aguardou a resposta, em respeitosa vigília.

No dia 18 de junho de 1943, realizou-se o enterro, que se transformou em uma
verdadeira manifestação popular. O cortejo atravessou toda a cidade a pé, até as
colinas de Tacubaya, onde ficava o cemitério. O caixão, coberto pela bandeira
brasileira, foi levado em ombros e cercado por uma guarda de honra que levava as
bandeiras de todas as Nações Unidas que, naquele momento, travavam a luta
contra o nazismo. À beira da sepultura, vários oradores se fizeram ouvir, inclusive
representantes de outros países latino-americanos, como Cuba, Uruguai, Chile e,
também, de países europeus, principalmente alemães e espanhóis. O grande poeta
chileno Pablo Neruda leu o seu Poema Dura Elegia, escrito especialmente para
aquele triste momento, no qual ele define a importância da vida de Leocádia

Prestes com estas singelas palavras: “Señora, hiciste grande, más grande, a
nuestra América...”.
Extraído de:
PCB: 80 anos de luta. H. ROEDEL, AQUINO, F. VIEIRA, L. B. NAEGELI, L. MARTINS. Rio de Janeiro,
Fundação Dinarco Reis, 2002.
Este texto encontra-se também em www.cecac.org.br

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8 de Março – Dia Internacional da Mulher


Neste Dia Internacional da Mulher, divulgamos a biografia de Leocádia Prestes, elaborada por
sua filha Lygia, que traz a trajetória da corajosa mãe de Luiz Carlos Prestes que, nas palavras
de Pablo Neruda, fez “grande, más grande, a nuestra América” e é expressão da determinação
e combatividade da mulher brasileira. Depois do levante antifascista de novembro de 1935 e da
prisão de Prestes em 1936, Leocádia esteve à frente de uma campanha internacional pela
defesa da vida e pela libertação de seu filho e de todos os presos políticos no Brasil. Ela
“percorreu os principais países europeus, denunciando o terror desencadeado no Brasil, o
perigo de morte para os presos políticos e pedindo solidariedade e apoio para a sua luta”, que
se inseria no fortalecimento do movimento antifascista internacional. Com a extradição de Olga
Benário para a Alemanha, uma nova campanha se colocou para salvar a vida de Olga e de sua
filha que estava para nascer. Como assinala Lygia, Leocádia foi três vezes à Alemanha
nazista, enfrentar a Gestapo para exigir a libertação de Olga e de sua filha Anita, resgatada em
janeiro de 1938. (*)

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Leocádia Prestes – mãe coragem Lygia Prestes
Leocádia Felizardo Prestes nasceu no dia 11 de maio de 1874, em Porto Alegre,
Estado do Rio Grande do Sul.


Seu pai, Joaquim José Felizardo, abastado comerciante, foi um homem culto, de
idéias liberais, partidário da Abolição e da República. Sua mãe, Ermelinda Ferreira
de Almeida, descendia da aristocracia portuguesa. Contudo, era pessoa de idéias
abertas e partilhava plenamente os ideais de justiça social de seu marido.

Dotada de caráter enérgico e independente, Leocádia Prestes destacou-se, desde
cedo, das jovens da sua classe social. Educada segundo os moldes tradicionais da
época, falava vários idiomas, era exímia pianista, estudou pintura, canto,
declamação. No entanto, tais predicados, que lhe permitiam brilhar nos salões, não
lhe bastavam. Ela gostaria de desenvolver alguma atividade útil e, ainda
adolescente, manifestou o desejo de ser professora pública, o que evidentemente
não pôde ser concretizado devido aos preconceitos sociais. A política e os
problemas sociais a interessavam muito, pelo que era leitora apaixonada dos
jornais da Corte, fato inusitado entre as moças de seu tempo.

Em 1896, casou-se com o capitão Antônio Pereira Prestes, engenheiro militar, que
havia sido aluno de Benjamim Constant, na Escola Militar da Praia Vermelha, e
participara, ainda cadete, da proclamação da República, no Campo de Santana. Era
um homem de vasta cultura, partidário do Positivismo, que era a corrente filosófica
mais progressista no Brasil, no fim do século XIX.

O convívio com o marido muito contribuiu para que Leocádia Prestes ampliasse sua
cultura geral e aprofundasse ainda mais o seu interesse pela política e pelas
questões sociais. Anos mais tarde, ela contaria aos filhos a ansiedade com que ela e
o marido viveram episódios como a Guerra de Canudos ou o célebre Caso Dreyfus,
na França, que comoveu todos os setores progressistas, na passagem do século.

A morte prematura do marido deixou-a em situação muito precária. A exígua
pensão não era suficiente para o sustento dos filhos. O caminho mais fácil teria sido
arrimar-se a algum parente rico. Ela preferiu, porém, conservar a sua
independência e partira para a luta.

Começou a dar aulas de idiomas e de música, trabalhou de modista, foi balconista e
até costuras fez para o Arsenal de Marinha. Finalmente, em 1915, conseguiu ser
nomeada professora da Escola Pública, como coadjuvante do ensino primário, cargo
que exerceu até 1930. Trabalhava à noite, nos cursos noturnos destinados a
comerciários, operários e domésticas.

Era um trabalho muito pesado, pois tais cursos funcionavam em escolas dos
subúrbios do Rio, longe da condução, freqüentemente no alto dos morros. Pela
primeira vez em sua vida, ela pôde ter um maior contato com as camadas mais
pobres da sociedade e isso aguçou ainda mais a sua revolta contra as injustiças
sociais. Em pouco tempo, tornou-se muito estimada pelas alunas, pois era uma das
poucas professoras, naquele tempo, que não admitiam discriminações, tratando da
mesma forma a comerciária bem arrumada e a cozinheira de roupa surrada ou a
operária de tamancos. Com sua atitude, ela procurava transmitir a seus alunos,
além dos conhecimentos elementares, noções de justiça social, de igualdade e
dignidade humana.

Aliás, ao educar os filhos, sua grande preocupação foi sempre a de incutir-lhes o
amor ao trabalho e o sentimento do dever cívico. Procurou sempre mostrar-lhes os
aspectos negativos da vida, ensinando-lhes a enfrentar com altivez a violência e as
arbitrariedades dos poderosos e a jamais curvar-se ante as injustiças. Dotada de
grande sensibilidade artística, procurou sempre transmitir aos filhos o seu amor à
natureza e a sua admiração por tudo que é belo e elevado. Uma sonata de
Beethoven ou um belo poema, um pôr do sol ou o desabrochar de uma flor, a
emocionavam igual-mente.

A árdua luta pela sobrevivência não fez diminuir seu interesse pelo que ocorria na
sociedade e no mundo. Mesmo nos momentos mais difíceis, em sua casa podia
faltar pão, mas nunca faltou pelo menos um jornal diário, para acompanhar os
acontecimentos políticos, que discutia e comentava com os filhos. Assim, em 1910,
empolgou-se com a Campanha Civilista de Rui Barbosa e fazia questão de
comparecer aos comícios, levando consigo o filho mais velho, Luiz Carlos, que
contava apenas doze anos de idade, para que ouvisse a pregação cívica do mestre
baiano.

Por isso mesmo, em 1922, quando seu filho Luiz Carlos, já oficial do Exército,
começa a participar da política, atuando na preparação (do primeiro Cinco de
Julho), ela lhe deu todo o apoio, incentivando-o inclusive a continuar a luta, após a
derrota do movimento.

Em 29 de outubro de 1924, ocorreu o levante de Santo Ângelo, liderado por Luiz
Carlos Prestes, dando início à grande marcha através do Brasil que duraria até
fevereiro de 1927. Foram anos muito duros para as famílias dos participantes da
Coluna. As únicas notícias que recebiam eram as fornecidas pelo governo, sempre
as piores possíveis: a Coluna teria sido dizimada, seus chefes exterminados... Mais
de uma vez os jornais do Rio abriram manchetes escandalosas anunciando a morte
de Prestes e de seus companheiros.

Leocádia Prestes, mesmo sabendo que a vida do filho corria permanente perigo,
nunca perdeu a coragem e a confiança no filho. Jamais alguém a viu chorar. Para
que não houvesse dúvidas sobre o seu apoio integral às idéias do filho, ela trazia
sempre ao peito, bem visível, um grande medalhão com o retrato dele. Sua firmeza
impressionava a todos que a conheciam. Em pouco tempo, sua casa tornou-se a

Meca das famílias dos outros revolucionários, que a procuravam em busca de
alento e consolo.
Com a suspensão da censura à imprensa, em 1927, os feitos heróicos da Coluna
tornaram-se conhecidos do povo brasileiro, comovendo o país. Luiz Carlos Prestes
passou a ser considerado herói nacional – o Cavaleiro da Esperança – e Leocádia
Prestes era a Mãe de todos os brasileiros. Sua modesta casa de subúrbio fervilhava
de amigos, admiradores e políticos de todos os matizes.

Em 1930, um grupo de políticos, encabeçado por Getúlio Vargas, aproveitando o
prestígio de Luiz Carlos Prestes e do movimento Tenentista, organizou um golpe de
Estado. Os tenentes, antigos participantes da Coluna, deixaram-se iludir e aderiram
em massa ao Movimento de 30. Luiz Carlos Prestes, convidado, recusou-se a
participar, por considerar que o Movimento não traria nenhum benefício ao povo
brasileiro. Em maio de 1930, lançou um manifesto, denunciando o golpe que se
preparava e pregando uma revolução verdadeiramente popular, agrária e
antiimperialista. O manifesto, qualificado de comunista, caiu no Brasil como uma
bomba. Como num passe de mágica, todos os admiradores e políticos
abandonaram a casa de Leocádia Prestes. Em público, viravam-lhe as costas. Ela
reagia com altivez, reiterando a sua solidariedade ao filho querido.

Meses mais tarde, convencida de que o filho não poderia retornar ao Brasil tão
cedo, ela, mais uma vez, demonstrou toda sua coragem: licenciou-se do emprego,
liquidou a casa e, acompanhada das quatro filhas, partiu para a Argentina, para
ficar ao lado do filho. Iniciava-se, então, um longo exílio do qual ela não retornaria
à pátria.

Em Buenos Aires, onde se radicaram, a vida foi extremamente difícil. Com a crise
dos anos 30, era impossível conseguir trabalho. Poucos dias após a chegada da
família, Prestes foi preso, ameaçado pela polícia argentina, sendo obrigado a asilarse
em Montevidéu. Com isso, perdeu o emprego. Leocádia Prestes permaneceu em
Buenos Aires, com as filhas, lutando como podiam para sobreviverem. Foi nesse
período que elas e as filhas se aproximam do marxismo.

Em 1931, Luiz Carlos Prestes foi convidado pelo governo soviético para trabalhar
como engenheiro no Primeiro Plano Qüinqüenal. Sua família, mais uma vez, não
vacilou em acompanhá-lo, decidindo seguir com ele para a União Soviética. Às
pessoas que se surpreenderiam com a sua decisão, Leocádia Prestes dizia: “se meu
filho seguiu este caminho, este é o caminho certo”.

Contudo, seu primeiro contato com a sociedade socialista não foi fácil. Arrasada por
duas guerras, a União Soviética atravessava enormes dificuldades. Faltava tudo.
Para uma senhora de quase sessenta anos, de origem aristocrática e que havia
passado toda a sua vida sob outro regime, a realidade soviética suscitava muitas
dúvidas. Seu espírito de justiça, porém, ajudou-a a superar as incompreensões.
Pouco a pouco, ela foi compreendendo a causa das dificuldades e a grandeza da
luta e dos sacrifícios do povo soviético. O entusiasmo do povo a contagiava. Muito
contribuiu também para a sua formação política o processo de Leipzig, em 1934,
contra o revolucionário búlgaro George Dimitrov, cuja firmeza revolucionária
perante o tribunal nazista a impressionou profundamente. Aos sessenta anos de
idade, ela aderia, conscientemente, às idéias marxistas.

Em agosto de 1934, Luiz Carlos Prestes foi finalmente aceito no Partido Comunista,
terminando assim sua longa e penosa trajetória do tenentismo ao marxismo. E, a
29 de dezembro do mesmo ano, partia para o Brasil, para a luta clandestina.
Iniciou-se, então, para Leocádia Prestes, um longo período de grande sofrimento.
Se, por um lado, apoiava integralmente o caminho seguido pelo filho, por outro
lado, só a idéia de perdê-lo a fazia sofrer intensamente. Ela não duvidava de que,
se o filho fosse preso, seria morto. Contudo, procurava manter-se firme. Foi nessa
época que, buscando uma forma de participar da luta, resolveu aprender
datilografia a fim de ajudar na cópia e tradução de documentos.

Em 5 de março de 1936, Luiz Carlos Prestes foi preso no Rio de Janeiro, junto com
sua companheira Olga Benário. Graças à coragem de Olga, que o protegeu com seu
corpo, não conseguiram matá-lo no ato da prisão. Mas a sua vida corria perigo
iminente. A qualquer momento, poderiam “suicidá-lo” na prisão, como era costume
na época. Foi decidido, então, levantar uma campanha internacional em defesa da
vida de Prestes e de todos os presos no Brasil. E Leocádia Prestes foi escolhida para
encabeçar essa campanha.

Aquela foi a sua primeira missão política. Tarefa difícil para uma senhora de
sessenta e dois anos que havia sido, até então, apenas mãe de família e, quando
muito, professora de subúrbio. Contudo, ela não desanimou. Acompanhada de sua
filha Lygia, partiu de Moscou, em fins de março de 1936, dando início à campanha.

Foram vários anos de árduo trabalho. Eram comícios, conferências de imprensa,
visitas a jornais e sindicatos, a partidos políticos, parlamentos ou a chefes de
governos. Viagens freqüentes e demoradas. Era um trabalho extenuante para uma
pessoa de sua idade.
Com sua filha, ela percorreu os principais países europeus, denunciando o terror
desencadeado no Brasil, o perigo de morte para os presos políticos e pedindo
solidariedade e apoio para a sua luta. Em pouco tempo, a campanha se estendeu
aos outros continentes. Comitês de defesa de Prestes foram criados nos Estados
Unidos, na América Latina, na Austrália e na Nova Zelândia. Do mundo inteiro, o
governo brasileiro era bombardeado com milhares de cartas, telegramas de
protesto, manifestos de toda a sorte, exigindo a libertação de Prestes e de seus
companheiros ou, pelo menos, o respeito às suas vidas.

Em fins de 1936, com a extradição de Olga Benário para a Alemanha nazista, a
campanha se duplica. Surge uma campanha paralela, destinada a salvar a vida de
Olga e do bebê que estava para nascer. Leocádia Prestes e sua filha vão a Genebra
pedir a ajuda da Sociedade das Nações e da Cruz Vermelha Internacional. Graças
às gestões, foi possível receber, já em 1937, algumas notícias de Olga e de sua
filhinha, Anita Leocádia, nascida em 27 de novembro de 1936.

Três vezes Leocádia Prestes foi com sua filha à Alemanha, enfrentar a Gestapo e
exigir a libertação de Olga e da criança.
Delegações de vários países foram também a Berlim, com o mesmo objetivo.
Malgrado todos os esforços, não foi possível salvar Olga. O mais que se obteve foi a
libertação da pequena Anita Leocádia, em janeiro de 1938, e a vaga promessa da
Gestapo de que Olga seria libertada um pouco mais adiante. Ao contrário disso,
Olga foi enviada a um campo de concentração, em Ravensbrück, e assassinada em
abril de 1942.

Ante a iminência da guerra, Leocádia Prestes vê-se forçada a deixar a Europa. Com
a filha e a neta, parte para o México, cujo presidente, General Lázaro Cárdenas,
concedera-lhes asilo. Foi um golpe muito duro, pois ela bem compreendia que a
mudança para o México tornaria muito mais difícil qualquer ajuda à nora querida.

No México, a campanha prosseguiu, já então limitada às Américas, pois o resto do
mundo estava convulsionado pela guerra. Com a guerra, Leocádia Prestes perde o
contato com Olga e também com as outras filhas que haviam ficado em Moscou.

Além da sorte do filho, na prisão, preocupa-a agora também a situação dos seus
outros entes queridos, ameaçados pelas bombas nazistas. Contudo, a coragem e a
fé na vitória final não a abandonaram jamais. Quando as hordas nazistas
avançavam pela União Soviética, ela costumava dizer aos amigos assustados:

“Vocês não conhecem aquele povo! Quem passou tantas privações e sofrimentos
para construir o socialismo em seu país, não vai fraquejar agora. Eles são
invencíveis!”

Leocádia Prestes não teve a alegria de assistir à vitória final dos povos sobre o
nazismo nem a libertação dos presos políticos, no Brasil, em 1945. Após longa e
penosa enfermidade, ela veio a falecer no México, no dia 14 de junho de 1943.
Sua morte comoveu o povo mexicano, que a admirava muito. Ao velório, no salão
nobre do Sindicato dos Empregados em Hotéis, no centro da cidade do México,
compareceram milhares de pessoas, inclusive numerosos estrangeiros, fugidos do
nazismo e também asilados no México. Todos os ministros de Estado estiveram
presentes, com seus auxiliares , a começar pelo general Cárdenas, na época
Ministro da Defesa, no Governo de Ávila Camacho. O general Cárdenas tomou a
iniciativa de dirigir-se pessoalmente a Getúlio Vargas, pedindo-lhe que permitisse a

Prestes vir ao México despedir-se de sua mãe. Propunha enviar um avião militar
mexicano para trazer o prisioneiro e oferecia-se, inclusive, como refém, como
garantia de que Prestes voltaria à prisão. Getúlio sequer respondeu. Quatro dias e
quatro noites o povo aguardou a resposta, em respeitosa vigília.

No dia 18 de junho de 1943, realizou-se o enterro, que se transformou em uma
verdadeira manifestação popular. O cortejo atravessou toda a cidade a pé, até as
colinas de Tacubaya, onde ficava o cemitério. O caixão, coberto pela bandeira
brasileira, foi levado em ombros e cercado por uma guarda de honra que levava as
bandeiras de todas as Nações Unidas que, naquele momento, travavam a luta
contra o nazismo. À beira da sepultura, vários oradores se fizeram ouvir, inclusive
representantes de outros países latino-americanos, como Cuba, Uruguai, Chile e,
também, de países europeus, principalmente alemães e espanhóis. O grande poeta
chileno Pablo Neruda leu o seu Poema Dura Elegia, escrito especialmente para
aquele triste momento, no qual ele define a importância da vida de Leocádia

Prestes com estas singelas palavras: “Señora, hiciste grande, más grande, a
nuestra América...”.
Extraído de:
PCB: 80 anos de luta. H. ROEDEL, AQUINO, F. VIEIRA, L. B. NAEGELI, L. MARTINS. Rio de Janeiro,
Fundação Dinarco Reis, 2002.
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